No começo sempre é estranho. A semente
nunca se parece com a flor já crescida, não há nenhum indício se será uma rosa
ou uma tulipa.
No começo é uma troca intensa e
incessante. A flor é lembrada durante o dia quando estamos longe, trabalhando,
estudando, vivendo... Pensamos se talvez ela não queira um pouco d’água, ou
talvez algum adubo para a fortalecer. Quando vamos ao mercado lembramos dela, o
que será que levo? Flores gostam de ovos de codorna em conserva? Não saberia
dizer.
Enfim a planta aparece em seu vaso, a
primeira folhinha despontando no pequeno caule frágil. Agora tem de se tomar
mais cuidado ainda. Vou lembrar ela todo dia de que a beleza dela existe porque
eu existo e eu existo porque ela existe. Se ela for forte nos invernos, vão
dizer que as plantas imitam seus donos. E eu não sou dono de ti, nós somos
parceiros, concordando em nos abençoar com o cuidado e carinho do outro. Quando
te rego te lembro disso, toda vez. Às vezes me pergunto se estás viva porque te
rego ou porque te lembro que não dependo de ti, mas que dependemos os dois, do
bem-estar de cada um.
É então que alguns lugares passam a ter
significado. Paramos em cantos pequenos, remotos, esquecidos, que vendem a
melhor coxinha do mundo e no balcão uma flor. Irmã sua talvez? Tão parecidas,
será que você ficará tão grande assim? É então que um lugar mal frequentado se
torna um Oasis, é um refúgio para os dias ruins. Quando não quero te ver
florzinha querida, vou ali comprar uma coxinha, para aforrar meu estômago,
acalmar meus nervos e lembrar que te amo porque te tenho para mim, mesmo você
não sendo minha e mesmo eu sabendo disso.
Nas noites de solidão te trago para o
quarto. Em um bidê comprado justamente para ti lhe coloco bela. Eu durmo
tranquilo sentindo sua presença e quando estou acordado, atarefado no
computador, te sinto me olhando e às vezes é estranho porque já havia te
colocado para fora. Eu estava sozinho, sentindo você.
Será que é possível amar uma flor?
Não lembro de gente falando de plantas
que gostam de caminhar, mas você sempre foi tão livre. Crescendo a cada dia que
te via, ao sol, à chuva, ao vento e ao frio.
Quanto tempo vive uma flor?
Depois de um tempo vivendo contigo
passo a me perguntar. Quanto tempo ainda tenho contigo? Quanto ainda posso
aproveitar de sua beleza e você de meu carinho? Afinal oferecíamos mutualmente
o que tínhamos e meu carinho sempre esteve contigo.
Te trago, então, um vaso maior e uma
terra mais sadia, pesquiso tudo sobre como realizar a troca do vaso sem
machucar você. Me preocupo, me questiono, penso duas vezes, três e quatro.
Talvez ela não vá gostar de mudar um pouquinho por mim, mesmo sendo por ela. Te
converso por alguns dias, te acalmo quando está nervosa e finalmente tu aceitas
e no vaso novo te coloco.
Quanto tempo vivem as flores depois da primeira
mudança? Eu não saberia dizer.
Sem saber se por meu receio ou se pela
troca, sinto você enfraquecendo. Não que antes eu recebesse mais atenção de ti,
mas quando chegava em casa suas folhas geralmente estavam verdinhas e agora
aparecem manchas amarelas, não é falta de água, nem excesso.
Quanto tempo?
Começo a te trazer mais vezes para mais
perto, talvez seja isso, eu me afastei? Mas quando? Eu sempre estive aqui,
pensando em você no trabalho, lembrando de ti no mercado, sorrindo contigo na
lanchonete da coxinha. Seriam os ovos de codorna?
Os dias se passam e não há o que faça.
Te sinto morrendo. É possível uma flor não lembrar da gente? Será que quando
troquei o vaso ela pensou que se trocou o dono... Neste caso ela deve estar
morrendo de saudade. Mas o que faço agora se também estou?
Te conto das vezes em que comemos
coxinha, te lembro de quando soube dos seus gostos e te conto das vezes em que
te senti, quando você não estava lá. Penso talvez que eu esteja te sufocando,
fazendo demais. Então te deixo ir, para ver se as flores sentem falta e voltam.
Mas tu já não lembras de mim.
Toda vez me desespero e vou atrás de
ti, porque tu vais longe sozinha. E por alguns dias, você volta a respirar.
Suas folhas verdinhas novamente, suas cores ficam fortes e vibrantes de novo,
mas será que só agora fez efeito o tempo que me afastei? Ou será que as plantas
se esquecem e lembram de quem cuida delas?
No meu celular, mil fotos tiradas
contigo me lembram a todo instante que eu tenho você. No computador as fotos
sincronizam e me lembram de novo de pensar em você. Como pode alguém amar tanto
uma flor? Elas são belas, cheirosas, doces e sensíveis, mas não oferecem muito
de volta. É possível ouvir o que uma flor tem a dizer?
Eis que chego um dia pela manhã em casa
e procuro pela flor que não está mais ali. Se foi. Cresceu. Pergunto ao
jardineiro para onde foi minha florzinha querida e ele com carinho e atenção me
diz.
– Sua flor cresceu demais para o vaso e
plantei-a na floresta perto daqui. Podes visitá-la quando quiser, mas a vida
dela por lá será outra. Terá ela outros amigos, outros carinhos, outros amores.
– Mas e ela não vai morrer por falta de
mim?” – me pego perguntando em voz alta com todo o vazio e mágoa que havia em
mim. O jardineiro me olha, paciente e leve, me diz:
– Ela agora deve estar tão confusa
quanto você. Ela agora deve estar sofrendo tanto quanto você. Quando digo que
ela encontrará outros amigos, outros carinhos e outros amores, quero dizer isso
para você também! Você sempre poderá visitá-la, quando quiser, ela estará com
os amigos que a oferecem beleza, doçura e sensibilidade. Você precisa de
carinho, atenção e cuidado também, mas tu és diferente dela, o que tu precisas
é diferente do que ela oferece.
Eu ainda não a fui visitar, nem sei se
um dia terei coragem de fazê-lo, porque assim, de certa forma, talvez ela viva
para sempre e assim também o meu amor.
As flores sempre irão se voltar de volta ao sol que lhes deu conforto um dia, mesmo que a noite fria e escura permaneça por muito tempo.
ResponderExcluirQue bela reflexão temos neste texto,sobre amar e partir .
ResponderExcluirE preciso continuar sempre.
Parabens ao escritor!.
Eu tô com o coração cheio, inteiramente satisfeito depois dessa leitura tão linda e genuína! Sentimentos colocados cuidadosamente em cada palavra; é impossível não sentir também. Você é um escritor incrível, te admiro demais! O texto inteiro tá a coisa mais deliciosa de ler... E reler... Algumas vezes ahsuahushaj. Parabéns e obrigada por esse conto, autor! Cê merece toda a primavera ❤️🌸
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