A sensação era de estar com os
olhos fechados, ouvindo um som agudo em um volume extremamente baixo que exigia
completa atenção para percebê-lo. A respiração calma com ar suficiente para
encher os pulmões toda vez. Quando concentrado ouvia o tom angelical sem
dificuldade e era como se estivesse conectado com tudo o que existia em todo
lugar.
O peito expandido ao máximo para
sentir a singela sensação da existência. Em um cosmos distante, flutuava. As
estrelas em volta faziam parte de seu corpo, os olhos fechados, os ouvidos que
eram feitos de galáxias ouviam.
A experiência de mover as mãos,
mesmo que por um centímetro, era como balançar suavemente as mesmas por de
baixo d’água. Havia uma pequena resistência que causava sentimento de
completude, as mãos que não eram mãos, eram e não eram porque não existiam sem
as estrelas, mas o que seriam as estrelas sem as mãos do infinito?
Inspirava e expirava com ritmo,
mas sem regra.
Inspirava e podia ver a
escuridão que havia para todos os lados em sua volta. Os buracos negros, o
espaço entre um planeta e outro, o silêncio de criaturas que não tinham
consciência sobre sua pequenez, a sútil pressão da morte quando a vida se
dissipava.
Expirava e a luz se fazia. Os
pós estelares, os sóis incontáveis, as luas que refletiam os maiores, os arcos
de planetas que atravessavam o corpo de cada habitante.
O infinito.
No que pode ter sido uma
oscilação na vibração do som que mal podia ser ouvido, descobriu uma nova
melodia. Esta, um pouco mais acentuada e com uma granulação distinta, se
mostrava diferente das outras, de todas. Era inconsciente, porém frequente.
A granulação era como a imagem
dos meteoros que colididos, se despedaçavam, mas agora em som, com dimensão e
fluidez.
Conectando-se cada vez mais com
aquele novo som percebeu sua existência em diversos lugares simultâneos. Ele em
si, era tudo que existia, mas aquilo, aquele detalhe, aquela célula, aquela
perspectiva lhe era nova. Sentia-se extasiado com o novo e o som, granulando,
continuava.
Em um planeta vivo, com
criaturas que faziam parte de seu poder, notou o som.
Acontecia em diversos lados em
momentos diferentes.
Aparecia quase que como uma
manifestação distraída. Formavam-se nuvens que trocavam as cores do céu, que
traziam a escuridão da sútil pressão e em instantes a luz dos arcos dos
planetas.
Não cansava, era inédito toda
vez e o som.
Estrondos, luzes, gotas, chuva,
líquido vivo.
A tempestade.
Ela vinha como uma bailarina
desinibida. Os lugares áridos que lhe eram opostos logo se rendiam a sua
presença. Os animais que imploravam por sua benção, as folhas que exigiam
hidratação, as tocas de criaturas subterrâneas.
O infinito admirava em silêncio.
O som. A sensação de completude.
A granulação. A chuva. O vento.
Era como visualizar um fio de
água sendo derramado em uma grande vasilha de porcelana. O fio quase estático
que circulava os limites do pote. O sentimento de delicadeza contido em um
ritual prazeroso. A tempestade.
O infinito, deixando de lado os
outros sons queria aquele mais do que todos.
Tentava filtrar tudo o que era
para apreciar a nova voz descoberta, mas ele era tudo a todo instante, ele era
a tempestade e a tempestade nele era ela por sua causa.
Surge então uma nova¹. A
explosão acontecendo pela pressão que o infinito sente ao se comprimir o
suficiente para ouvir o som descoberto e da tempestade por se elevar ao estado
de estrela anã, para sentir os olhos do infinito sob seu espetáculo.
E com a rotação de sóis, com o
deslizar dos corpos celestes na vastidão do universo, com o manifesto das vias
lácteas... O infinito retorna ao seu estado de grandeza, tendo em si a memória
vaga de um som granulado, ouvindo mais uma vez somente aquele que exigia
atenção para ser percebido. E a tempestade, que nunca se deixou intimidar por
terrenos áridos, volta a dançar livremente, em sua coreografia infindável pela
vida, em sua busca incansável pelo amor, em sua delicada e natural força
transformadora e poderosa.
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notas; 1. Nova aqui refere-se a explosão nuclear
cataclísmica em uma estrela. Uma nova ocorre num sistema
binário em que um dos elementos é uma estrela anã branca.
Maravilhoso!
ResponderExcluirGostei , gostei demais 👏 maravilhoso.
ResponderExcluirEu sinceramente nem sei o que sentir depois dessa leitura, mas durante ela, sei que quase chorei por uma coisa que nem sei explicar. Acho que é aí onde reside a mais profunda beleza nesse seu conto, ele toca naquilo que é inominável em nós. Traz enigma, intensidade e melancolia. Particularmente, me encanta muito observar as estrelas e pensar sobre os cosmos, então quando li "O infinito e a tempestade", me senti absorta nos cenários ousados e estupendos! Cenários que fogem de qualquer visão periférica.
ResponderExcluirAssim como as estrelas, amo poder observar seu progresso como escritor. Continue sempre ambicioso e cheio de entusiasmo para com as palavras. Elas podem não definir tudo, mas sem dúvida, quando postas numa certa ordem que feita com coração e alma, nos dão uma ideia. No final, uma ideia é tudo o que precisamos para transformar o mundo; como uma tempestade, para mudar a nós mesmos. Parabéns por escrever tão docemente! Sempre cheia de orgulho de você.