Estava eu um dia sentado em minha mesa de café, olhando para a porta
aberta, o varal com as roupas secando ao sol. Entre as bolachas e as bicadas no
chá, me ocorreu pensar sobre como eu secava minhas roupas em um dia de chuva.
Nunca havia passado por minha cabeça a realização do processo como um processo,
para mim sempre foi natural. Eu lavava as roupas a mão, no tanque atrás da casa.
Os ladrilhos azuis e o tanque de porcelana sempre me davam muita satisfação
quando os usava, então eu sempre os utilizava contente, sorrindo e cantando.
"Em dias de chuva não temos muita vontade de levantar" - minha
mãe sempre dizia isto quando nos levantava pela manhã para aprontar-nos para a
escola. Costumava discordar de suas afirmações, mas com o tempo percebi que ela
mesma quem não gostava nem um pouquinho de se levantar em dias de chuva.
Seus olhos não brilhavam tanto quanto quando eu era pequeno e meus seis
irmãos ainda não haviam nascido. Depois de um tempo passei a acordar mais cedo
e ajeitar meus irmãos, com um pouquinho mais de tempo ela já não levantava para
nos aprontar e quando menos percebi, ela já não se levantava mais, mesmo quando
eu dizia que ela viria nos abraçar quando colocávamos rosas em seu túmulo.
Minha mãe me fez questionar então os dias de chuva e eu tomando meu café
me questiono sobre secar minhas roupas nestes dias. Moro sozinho e minhas
roupas são todas coloridas. Adoro vestir conjuntos de uma cor só. Quando estou
me sentindo mais cozinheiro me visto de amarelo, que é a cor da minha cozinha
todinha. Quando me sinto mais vaidoso, eu visto rosa, que é a cor do meu
banheiro. E quando estou me sentindo pesado e triste eu visto o azul, que é a
cor da minha lavanderia.
Às vezes, quando a chuva vem, eu me sinto muito só, como se ninguém mais
existisse no mundo, como se eu fosse o único que estivesse sentindo aquela
tempestade, ouvindo aqueles trovões. Eu choro e não tenho vontade de muita
coisa. Visto minhas roupas brancas e me deito em minha cama, em meu quarto
branco. Fico deitado tempo suficiente para me ver como minha mãe ficava nos
últimos dias, em que eu ia pedir a ela que nos arrumasse. É então que eu
levanto e vou até minha sala verde, com meu conjunto verde, e danço. Danço até
cansar e sentir que meu corpo está excitado com a repentina demonstração de
existência.
Nos dias de chuva eu costumo lavar minhas roupas bem cedinho. Tomo meu
café, enrolado em um cobertor dourado e ao levantar penso que todo o calor
conseguido com o cobertor agora está guardado dentro de mim. Vou até a
lavanderia e passo alguns minutos observando o gotejar da chuva no rio que
passa logo ao lado de meu lar. Junto as peças de acordo com suas cores em baldes
de cores iguais e começo a lavar. Começo pelas roupas brancas, pois estas
demoram mais a limpar. Em seguida eu limpo as amarelas, quando fico animado na
cozinha tendo a deixar cair molhos e recheios em todo o meu conjunto. Passo a
lavar então as roupas verdes, estas que tem todas as marcas do chão da minha
sala, de todos os movimentos que fiz quando estava dançando. Lavo então as
roupas cor de rosa, aquelas que deixo sujas de maquiagem e cremes de cuidado
com minha pele. Por fim, mesmo na chuva e mesmo no frio, eu fico sem cor. Me
dispo de todas as roupas azuis e as mergulho nas águas cristalinas de meu
tanquinho de porcelana.
Com todas as roupas lavadas, eu observo à chuva e meus varais. Em uma
conversa breve comigo mesmo, fico cabisbaixo por saber que não verei as roupas
dançarem pela manhã em um campo aberto com o sol as abençoando. Por outro lado,
percebo que nos dias de chuva, minhas roupas ficam dentro de minha lavanderia.
Elas demoram mais a secar, pois não estão muito aventureiras ou corajosas, elas
estão internalizadas, quietinhas e tímidas. Ao levantar pela manhã eu observo
pela janela da cozinha, atrás do balcão da pia, como elas se movem lentamente,
quase que tremendo no seu processo de secagem, mas estão ali, firmes e fortes.
Neste tempo em que fico pela casa sem cores é o momento em que eu crio com mais
facilidade. Eu pinto quadros e escrevo livros, geralmente quando estou vestido
em alguma cor. Nesta viagem, observando minhas roupas secando ao sol e tentando
me lembrar de como seco roupas em dias de chuva pude perceber que meus melhores
livros e meus melhores quadros, nasceram de dias chuvosos, quando minha roupa
secava lentamente. Por estar sem cores em mim, eu usava de todas as cores do
mundo para criar algo belo e agradável, que me fosse a boia em meio a
tempestade.
Agora eu queria somente voltar no tempo, nos dias de chuva em que minha mãe não levantava, para contar para ela este segredo. Para dizer para ela que era possível sim levantar, era possível sim que os olhos dela voltassem a brilhar, eu só precisava dizer a ela que olhasse nos meus olhos. Nos olhos dos meus seis irmãos. De certa forma ela também conseguiu criar sete maravilhas, mas agora eu só queria voltar no tempo.
Simplesmente maravilhoso.
ResponderExcluirMuito obrigado ! Fico muito feliz com o feedback dos meus leitores <3
ExcluirWow, cara, isso foi intenso! É lindo ver algo tão profundo, inteiramente baseado em coisas tão cotidianas que às vezes deixamos passar batido, mas que quando olhamos para trás, pode ser tarde demais para dar o devido valor a essas pequenas coisas que podem tomar dimensões tão grandes. Parabéns, essa leitura foi realmente incrível!
ResponderExcluirO nosso dia a dia ,no olhar de um poeta! E lindo demais
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