Foi num dia bem cedo em que notei no céu uma coisa estranha, ao menos
para mim, muito estranha. O céu que deixei totalmente azul na noite passada
hoje acordou com manchas brancas e uniformes. Mas não eram aquelas pequenas
meninas branquinhas com as quais eu conversava toda noite e que brilhavam sem
parar, estas se moviam e não brilhavam. Quem ou o que seriam elas? Por que
invadiam tão atrevidas o céu que me pertencia? Não sei responder.
Os dias se passaram e pude observar que as manchas não iam embora, insistentes,
ficavam lá passando rápido e me encarando nervosas. ‘O que vocês fazem no meu
céu? O que querem?’ gritei a elas para tentar descobrir algo, nada, não me
responderam nada. Só o que fizeram foi chorar, choraram amargamente durante
quatro dias, estes, que deixaram meu vilarejo totalmente alagado, tinha
destruição para todo lado. Aí quem chorou tempestivamente fui eu, fiquei dentro
de casa, trancado, num período de seis semanas, só sai algumas vezes para caçar
ou pegar lenha, nada mais, nessas raras vezes jamais olhei para o céu, pois
tinha medo daquelas mulheres bravas e choronas que acabavam com minha pequena
vila.
‘Noivas abandonadas’. Esse foi o nome que dei àquelas aparições que
pairavam sobre meu céu, eu acabei por acreditar que elas foram expulsas ou
esquecidas de algum lugar e vieram atrás de mim, que nada tinha a ver com a
história delas. Mas de onde elas vieram e como me acharam tão longe, por que
não iam embora?
Dois dias depois de eu me destrancar de casa elas voltaram a chorar,
desta vez uma chuva mais calma e controlada, podia-se ainda ver o sol no céu.
Acabei por pensar que elas sentiam saudade das pessoas e das coisas do lugar de
onde tinham sido expulsas e que se sentiam mal por estarem invadindo minha
privacidade e meu lugar. Ninguém nunca tinha testemunhado nada igual à situação
que eu vivia naqueles tempos. Digo isso em suposição, pois até hoje não vi
ninguém dos outros mundos, a não ser as ‘Noivas Abandonadas’. Quase fiquei
louco ao pensar que estava desprezando uma exceção da natureza, que estava
sendo rude com novas formas de vida, sendo malvado com, talvez, amigos...
Quando comecei a pensar dessa maneira chorei de novo, chorei junto com as
‘Noivas Abandonadas’ que lá fora, gritavam de tanto pranto.
Logo que paramos com a choradeira fui até lá fora verificar se elas
ainda permaneciam em meu mundo, estavam pálidas como sempre, mas estavam. ‘Oi,
meu nome é Petrúquio, sou o dono dessas terras, deste mundo na verdade’, Eu
disse isso com certo receio e imaginando que elas não me responderiam como de
fato fizeram. Seu silêncio me deixou um tanto quanto confuso, não sabia se elas
estavam sentidas com o modo como as tratei no início ou se simplesmente não
entendiam minha língua.
Tentei me comunicar com elas durante uma semana. Saía de minha casa e
deitava na grama embaixo da laranjeira olhando com uma expectativa inumana
tentando decifrar o idioma delas, mas nada mudava ou acontecia. Inicialmente
fiquei triste com a indiferença delas e passei noites quebrando a cuca
imaginando um meio de comunicação, foi então que tive uma ideia. Ensinei as
‘Noivas Abandonadas’ a ler e a escrever. Comecei ensinando como desenhar as
casas e as árvores, depois desenhava para elas e elas liam corretamente. Eu sou
especialista na arte da escrita, que no meu mundo é meramente saber desenhar. E
depois de alguns dias de aulas, dez dias para ser mais exato, percebi que as
‘Noivas Abandonadas’ haviam aprendido a ler e a escrever em minha língua.
Perguntei a elas como haviam parado aqui, no meu mundo, e o céu se
transformou em um livro ilustrado onde guerras e casamentos aconteciam. Havia
tantas formas que às vezes pedia a elas que repetissem o que tinham desenhado.
Fiquei deslumbrado com a facilidade com que elas mudavam de forma, elas mesmas,
seu corpo mudava de forma. As ‘Noivas Abandonadas’ me contaram que foram mesmo
expulsas de seu mundo, como eu presumira, e que o motivo foi exatamente um
casamento. Era uma época feliz em seu mundo, uma época de céu claro e límpido
onde elas viviam livres e ditosas. Após certo tempo de tanta liberdade as
‘Noivas Abandonadas’, dez irmãs são elas, se apaixonaram pelos príncipes do
mundo onde moravam, dez eram eles também, e com eles quiseram se casar. Os
príncipes também apaixonados por elas logo quiseram unir os trapos, mas
infelizmente em seu mundo não se podia casar príncipes com plebeias.
Ignorando esta regra os príncipes fugiram com as jovens moças, a fim de
finalmente poderem se matrimoniar com elas. Mal sabiam eles que o ‘O Reino’ do
mundo deles havia mandado um exército armado até os dentes com raios e trovões
para matá-los. Os príncipes eram ao ver do ‘O Reino’ desertores desleais e o
único meio de justiça era a pena de morte. As moças não receberiam uma pena tão
rápida e simples, elas deveriam ser exiladas para um mundo inabitável pelos de
sua espécie e para sempre sobreviver com a dor da perda de seus amores.
O ‘O Reino’ infelizmente teve êxito em seu anseio e todos os príncipes
foram mortos e as moças exiladas.
Choramos juntos durante um dia e uma noite inteira e por fim concluímos
que deveríamos tentar mudar aquela história tão triste e transformar em algo
agradável e maravilhoso. Chamei então meu amigo Sol e contei a ele a história
das ‘Noivas Abandonadas’, conversamos muito e tivemos uma ideia maravilhosa. O
Sol apareceu mais cedo em meu mundo e fez um show espetacular de comédia que
nos fez esquecer toda aquela dolorosa e infeliz história. Fiquei extasiado com
o milagre que aconteceu. A união das lágrimas felizes das ‘Noivas Abandonadas’
com os perfeitos raios do Sol realizou o acontecimento mais lindo que pude
presenciar em minha vida, Arco-Íris, assim o chamamos. Eram sete cores
magníficas que cortavam o céu em seu total esplendor, choramos mais ainda, de
alegria agora, por aquela miragem delirante que ocorria diante de nós.
Depois daquele dia eu, as ‘Noivas Abandonadas’ e o Sol, nos tornamos
melhores amigos. Ah, e as ‘Noivas Abandonadas’ não se chamam mais assim,
escolhemos um novo e doce nome. Nuvens é o nome delas, até suas lágrimas nós
nomeamos, Chuva. E mais uma coisa, descobrimos que as lágrimas das ‘Nuvens’ são
capazes de fazer uma mágica na terra que cria pequenos vegetais e legumes,
maravilhoso não?
Agora vivemos e viveremos felizes e em harmonia para sempre. Disse às
'Nuvens' que não precisavam sair dali nunca mais e que eu as aceitaria de
braços abertos se ali quisessem ficar, elas quiseram.
Bem, foi isso que aconteceu desde aquele dia bem cedo, em que notei algo
estranho, para mim pelo menos, era estranho...
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